São Paulo 450 Anos
Poética da Urbanidade - Estudos interculturais
Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência
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Materiais para as discussões do Colóquio Internacional de Estudos
Interculturais (2004)
BRATISLAVA-SÃO PAULO NO PROGRAMA DE ESTUDOS INTERCULTURAIS "POÉTICA DA URBANIDADE" PELOS 450 ANOS DE SÃO PAULO
DE DIVERSIDADE CULTURAL À CULTURA DAS DIFERENÇAS:
POLIFONIAS NA URBE
Bratislava, 11 de junho de 2003
Súmula
A questão do relacionamento entre a narratividade e a estrutura
na percepção do urbano, levantando o problema da comparatividade
de desenvolvimentos urbanos em diferentes contextos culturais
leva, necessáriamente, a reflexões a respeito da diversidade cultural
e do multiculturalismo.
Como ponto de partida para essas reflexões pode ser tomado um
trabalho de Moritz Csáky intitulado "Comunidades pluralísticas:
suas tensões e qualidades no exemplo da Europa Central".
Nesse estudo, o seu autor parte da constatação de que a pluralidade
de etnias, idiomas e culturas representa o traço comum na análise
cultural e urbana da Europa Central. Não se trata apenas de uma
variedade étnica e de uma grande diferenciação cultural. Trata-se,
sobretudo, do encontro de três grandes religiões: do Cristianismo,
do Judaísmo e do Islamismo. Uma estado como o do antigo Império
dos Habsburgos fora uma organização pluricultural por excelência.
Essa diferenciação na cultura, e os múltiplos processos a ela
inerentes dizem respeito não apenas às grandes cidades, pois atingiram
e atingem também as regiões rurais.
Csáky propõe, para a análise de condições de pluralidade cultural,
que se faça distinção entre pluralidade étnico-cultural endógena,
já existente na região, e pluralidade exógena, advinda de correntes
pan-européias ou globais.
A pluralidade endógena diria respeito à diversidade de grupos
populacionais, culturais e de idiomas existentes na região há
séculos. Através do intercâmbio contínuo ter-se-ia criado uma
espécie de "arsenal de códigos culturais", entendido por todos
e que teria contribuido à formação de uma identidade regional
em maior escala.
Também as culturas assim-chamadas de nacionais teriam sido, na
verdade, influenciadas por múltiplos elementos exógenos. Fazendo
um relacionamento entre a arquitetura e a música, M. Csáky considera
como exemplo significativo o pensamento de Béla Bartók, pois este
teria dado uma importância especial ao contínuo cruzar e recruzar
de melodias no folclore regional. Assim, apesar da existência
de uma configuração cultural denominada de "cultura nacional",
o homem participaria de outras culturas em contínuo processo de
multiplicidade identificatória.
As multipolaridades da cultura da Europa Central manifestar-se-ia,
segundo Csáky, no fato de muitos habitantes falarem duas ou mais
línguas. A "lingua materna" não sería unívoca, podendo também
incluir o conhecimento de várias línguas. A distribuição das várias
nacionalidades não seguia apenas princípios territoriais e os
encontros culturais ocorreriam sobretudo nas zonas limítrofes.
Haveria, portanto, uma verdadeira polifonia na cultura, literalmente
com relação às diversas linguas, e, metaforicamente, no concernente
aos demais processos de identificação cultural.
A pluralidade exógena é entendida por esse autor como sendo a
somatória de todos os elementos culturais vindos de fora. Em geral,
representam processos de difusão paneuropéia, associados de regra
a determinadas parcelas sociais. Nesse desenvolvimento histórico,
teriam ocorrido influências alemãs, espanholas, francesas, italianas
e outras. Sobretudo na história da música poder-se-ia analisar
essa dinâmica de correntes exógenas na cultura. Entre elas, não
se pode esquecer sobretudo a influência osmânica, cujos vestígios
permanecem ainda vivos em várias regiões e passam a ser revitalizados
com os recentes processos migratórios.
A pluralidade da Europa Central não seria apenas uma realidade
imaginada pelos historiadores. Ela já teria sido percebida no
passado, quando se designava a região central como sendo toda
um "Europa em miniatura". Essa heterogeneidade cultural e de línguas
foi vista como um entrave no âmbito das tendências de homogeneização
do século XIX. Em todo o caso, apesar dos discursos extremamente
nacionalistas da época, não se teria colocado em questão a pluralidade
cultural da região. Processos de etnogenese, a partir do casamento
mixto de pessoas de diferentes origens e línguas, e processos
receptivos e aculturativos de elementos culturais estrangeiros
continuaram a caracterizar a configuração da Europa Central.
Esse mundo de vida culturalmente heterogêneo foi considerado por
muitos como elemento fundamental da própria identidade cultural.
O fato de serem poliglotas foi conotado como marca comunitária.
Devido aos múltiplos referenciais, o complexo cultural caracterizou-se
por grande dramaticidade. Os elementos individuais, ainda que
em múltiplas configurações, teriam mantido uma certa consciência
de autenticidade e colocar-se-iam em mútua concorrência. Para
o autor, cultura explicar-se-ia, assim, como um processo no qual
o encontro, a fusão e a repulsa de elementos diferentes ou códigos
culturais se desenrolariam em encenação particularmente dramática.
A memória cultural apresenta-se, na Europa Central, sobrecarregada
com uma diversidade de códigos heterogêneos. Eles representam
a riqueza da cultura, são também a fonte de tensões latentes.
Tornam-se um problema, quando são instrumentalizados para uma
pretensa criação de identidades homogênas, ou para a discriminação
de grupos. A Europa Central apresenta-se como um laboratório,
no qual continuamente se desenrolam processos que, hoje, na época
da globalização, assumem relevância para todo o mundo e podem
fornecer subsídios para a análise de outros complexos urbanos.
Antonio Alexandre Bispo