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Poética da Urbanidade - Estudos interculturais
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Ialta
Materiais para as discussões do Colóquio Internacional de Estudos Interculturais (2004)

 

IALTA-SÃO PAULO NO PROGRAMA DE ESTUDOS INTERCULTURAIS "POÉTICA DA URBANIDADE" PELOS 450 ANOS DE SÃO PAULO

TEMPO LIVRE E CIDADES MENTAIS
Jalta, 24 de setembro de 2003

 

Súmula

No estudo de cidades radiosas, ou seja, cidades dominadas pela esfera mental, fazem-se necessárias reflexões a respeito do papel exercido em geral por estâncias localizadas em locais amenos e privilegiados pela natureza.

Tem-se, aqui, um aspecto pouco considerado nas ciências culturais e urbanológicas e que mereceria maior atenção por chamar a atenção ao relacionamento entre a vida contemplativa no âmbito profano e as qualidades urbanísticas de cidades não destinadas primordialmente ao trabalho.

O papel desempenhado pelas estadias de férias de compositores, artistas e literatos no próprio desenvolvimento das ciências e das artes tem sido até hoje pouco estudado. Entre essas numerosas cidades, verdadeiros polos temporários de reflexões culturais, contam-se localidades como Baden-Baden, Bad Ems, Marienbad, Karlsbad e Bad Ischl na Europa Central, e Petrópolis no Brasil.

O desenvolvimento de cidades de veraneio na Europa, na América Latina e em outras regiões do globo deve ser visto dentro de um complexo sócio-econômico global. No decorrer do século XVIII, dando prosseguimento já a tendências anteriores, aristocratas da Inglaterra, da Alemanha e de outros países europeus passaram a utilizar-se de villes d’eau ou de resorts pitorescos. Com o advento do banho de mar, no século XIX, algumas localidades marítimas tomaram um novo surto de desenvolvimento como sítios de lazer.

Entretanto, alguns analistas de processos urbanológicos tendem a inserir esse fenômeno num contexto mais amplo, de implicações urbanísticas e culturais. Com a industrialização e o crescimento rápido das cidades, com a perda do elo com a natureza no decorrer da transformação da paisagem urbana, teria surgido a nostalgia pelo ambiente puro e pela situação de repouso e tranqüilidade que apenas localidades destinadas ao tempo livre poderiam oferecer. Essas cidades de veraneio passaram a seguir modêlos ideais ou utopias arquitetônicas e urbanísticas, hipóteses construídas capazes de fornecer a moldura para o desenvolvimento maior da vida contemplativa. Os modêlos empregados surgiram como alternativa àqueles das cidades industrializadas. Do ponto de vista social, a seleção de classes economicamente privilegiadas possibilitava uma homogeneidade sócio-cultural que afastava motivos de conflitos e de insegurança.

Surgiram, assim, insularidades urbanas destinadas a uma vida de tempo livre, caracterizadas por modêlos ideais de perfeição sob o ponto de vista da natureza, da cidade e da sociedade. Os impulsos que delas saíram para o desenvolvimento do pensamento, das ciências e das artes devem ser também considerados a partir dessa mentalidade de evasão e em contraste com a vida das grandes cidades. Essas localidades representam uma expressão feudal tardia do mundo capitalista e estavam a serviço de uma elite dominante. Como tal, somente podem ser consideradas nas suas relações com as grandes cidades em processo de industrialização. Seriam como que dependências por contraste e oposição dessas cidades. O caráter aristocrático desses centros e da cultura que ali se desenvolveu manteve-se em geral até a Primeira Guerra Mundial. Processos de ascenção da classe média e posteriormente de "novos ricos" modificaram gradualmente a função e o papel dessas cidades de veraneio.

Jalta é conhecida na atualidade sobretudo pela sua importância histórica como sede da Conferência de Jalta ou da Criméia, ali efetuada de 4 a 11 de fevereiro de 1945. Nessa conferência, na qual tomaram parte J. Stalin, F. D. Roosevelt e W. Churchill, decidiu-se o procedimento final da Guerra. Foi ali que se encetaram as reflexões preliminares para a fundação da União das Nações Unidas e onde se proclamou a declaração a respeito da Europa livre. Jalta adquire assim importância simbólica fundamental em todas as considerações históricas relativas à ordem política internacional estabelecida no período posterior à Guerra.

A cidade, situada no litoral sul da Criméia, hoje pertencente à Ucrânia, apresenta uma situação geográfica privilegiada e de grande beleza pela moldura fornecida pela serra de Jaila. Já na Antiguidade havia nessa região núcleos urbanos. Na Idade Média, os navegadores genoveses ali fundaram pequenas colonias. Devido à localização natural fascinante e saudável, transformou-se, na segunda metade do século XIX, em estação balneária e de veraneio. Até hoje, a silhueta da cidade está marcada pelos hotéis e numerosos sanatórios e casas de repouso, instalados em parte em antigas residências de aristocratas. Ao lado da importância econômica e comercial da cidade como entreposto portuário e sede de indústria diversificada, possui vários institutos científicos, museus, teatros e umasala de concertos.

Como várias outras cidades desse tipo, Jalta transformou-se em centro privilegiado de estudos, de fruição de artes e da natureza, de reflexões humanísticas e de projetos culturais. Devido a sua posição e às condições históricas, foi ela, entretanto, palco de iniciativas filosóficas de cunho intercultural, sobretudo voltadas ao relacionamento entre o Ocidente e o Oriente. Por um lado, portanto, obedecia às tendências gerais próprias dessas ilhas de tempo livre, nas quais intelectuais e eruditos socialmente privilegiados seguiam idéias de Rousseau ou se deleitavam com a literatura de viagens. Por outro lado, as condições particulares de sua história e localização geográfica, situando-a dentro do plano global de expansão do Império Russo, deram-lhe uma orientação distinta, predestinada a dar abrigo a idéias e filosofias internacionais e supranacionais. Cosmopolitismo por um lado e preocupações panreligiosas e teosóficas por outro parecem ter sido características relevantes da vida cultural de certos círculos de Jalta antes da Primeira Guerra Mundial.

Com a Revolução Russa de 1917, essa época da história cultural da cidade chegou a seu fim. Aristocratas e intelectuais abandonaram a cidade e imigraram para outras regiões, primeiramente para a Turquia, mais tarde para a Europa Central, para a América e o Brasil. Mais tarde, organizações de lazer, esportivas e culturais passaram a utilizar-se da cidade.

Jalta asseme um papel de fundamental importância na história de movimentos que prepararam a organização da Academia Brasil-Europa.

Antonio Alexandre Bispo

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