São Paulo 450 Anos
Poética da Urbanidade - Estudos interculturais
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Materiais para as discussões do Colóquio Internacional de Estudos
Interculturais (2004)
KRAKAU-SÃO PAULO NO PROGRAMA DE ESTUDOS INTERCULTURAIS "POÉTICA DA URBANIDADE" PELOS 450 ANOS DE SÃO PAULO
NOVAS CIDADES MENTAIS E COMPARAÇÕES DE IMAGENS
Krakau, 9 de junho de 2003
A questão do novo interesse despertado pela cidade invisível, mas atuante na cidade material, sob o pano de fundo das transformações políticas no Leste europeu, dirigindo as atenções à imagem da cidade, também levanta problemas relativos às suas transformações e às possibilidades de estudos comparativos em contextos interculturais.
De fato, a idéia de cidade mental e cidade terrena pertence a
um sistema de concepções e é, portanto, apesar de toda a sua historicidade,
uma construção de natureza estrutural. Tem-se, aqui, o problema
do relacionamento entre a narratividade e a estrutura também sob
o ponto de vista da reconstrução urbana. Sendo, porém, de natureza
estrutural, a noção das duas cidades transcende limitações geográficas
e culturais. Assim sendo, ter-se-ia um sistema dinâmico de relacionamento
entre a vida espiritual e a vida ativa que seria vivenciado por
cada cidade mas que poderia ser comparado, nas diferentes fases
do seu mecanismo, com aquele experimentado por outras cidades.
Com isso, ter-se-ia a possibilidade de um estudo comparativo de
urbanidades, sendo esta definida em função do relacionamento entre
a vida mental e a vida ativa.
A discussão a respeito das possibilidades e dos problemas conceituais
e metodológicos de uma Urbanística Comparativa não é nova. Ela
vem sendo desenvolvida desde início da década de 70. No âmbito
das disciplinas Etnomusicologia e Estética da antiga Faculdade
de Música e Educação Artística do Instittuto Musical de São Paulo,
com a cooperação de arquitetos formados pela FAU/USP(Faculdade
de Urbanismo da Universidade de São Paulo), tratou-se da possibilidade
de enfoque desse problema em analogia com a problemática da Musicologia
Comparada ou Comparativa.
Nessa analogia de desenvolvimento disciplinar, constatou-se que
a Musicologia comparada passara a ser criticada em vários centros
de seu cultivo, sendo substituída pela disciplina Etnomusicologia.
Tratou-se porém de discutir se não haveria aqui mal-entendidos
e se a nova denominação não seria até mesmo menos conveniente
do que a anterior. Em primeiro lugar, procurou-se demonstrar que
não se tratava de retornar a um estágio da Musicologia Comparada
dos anos 20 ou 30. Em segundo, que dever-se-ia fazer uma distinção
entre método comparativo e uma disciplina a ser definida através
da comparação. Com o crescente interesse por uma perspectiva culturológica
nos estudos, a Comparatística tem passado a ganhar novo interesse
na atualidade.
As reflexões encetadas em Cracóvia - Krakau - foram compreendidas
como parte de um exercício in loco para a percepção de desenvolvimentos
comuns e de diferenças entre duas grandes cidades de dois universos
culturais distintos e geograficamente distantes.
A escolha de Krakau fêz sentido por ser esta quase que um paradigma
da evolução urbana do século XIX. Assim como São Paulo no início
do século XIX pelos brasileiros, Krakau foi vista pelos próprios
poloneses do início do século XX como uma urbe de características
singulares, excepcionais, decantada como uma das mais originais
cidades do mundo.
Como em São Paulo, o caráter singular de Krakau foi resultado
do jogo complexo de numerosos fatores. Assim como na história
da cultura de São Paulo do início do século, também para Krakau
vale a constatação de que o estudo da história da vida artística
e intelectual local apenas pode ser efetuado considerando-se a
evolução urbana da cidade pela passagem do século.
As semelhanças, porém, são superadas pelas profundas diferenças
entre os dois centros. Se São Paulo desenvolvia-se por ser centro
de pujança econômica, Krakau tinha uma economia fraca, e a sua
importância residia no seu significado de centro cultural e intelectual
dos poloneses. Era, na época, cidade onde estavam estacionados
soldados de uma nação que os poloneses consideravam como ocupante,
ou seja, do Império Austro-Húngaro. Para Viena, - assim como também
para o Rio de Janeiro com relação a São Paulo - Krakau era uma
cidade provinciana e de interesse periférico. Para os poloneses,
Krakau representava uma espécie de capital de uma nação ainda
inexistente.
Assim como em São Paulo, também em Krakau a nova identidade cultural
da cidade manifestou-se na construção de um grande teatro municipal.
Esse teatro municipal (Plac s´w. Ducha), de Jan Zawiejski, construído
entre 1888 e 1893, foi inaugurado em outubro de 1893. Como em
São Paulo, o novo teatro tornou-se um símbolo de uma nova fase
do desenvolvimento urbano e da história das mentalidades. É interessante
constatar, também, que os teatros municipais de ambas as cidades
não seguiram, na sua orientacão estética, as mais avançadas tendências
da época, mas sim permaneceram fiéis aos cânones de um historicismo
eclético. Assim como em São Paulo o Teatro Municipal demonstrava
a cidade nova à frente da cidade velha, o teatro de Krakau representava
uma sociedade dominada pelo capitalismo vitorioso, símbolode uma
classe enriquecida, que se enobrecia com referências ao passado,
mas de tendências cosmopolitas e que procurava a ascenção social
com a demonstração monumental de sua erudição acadêmica. Em ambas
as cidades foi o teatro municipal elemento importante de processos
encenatórios em época de transição e reorientação urbana e sócio-cultural.
Os estudiosos da cidade de Krakau, em particular Jacek Purchla,
salientam que o teatro municipal da cidade tornou-se não apenas
um símbolo do conflito entre o espírito e a matéria. Tornou-se,
também, um sinal de que Krakau passara da fase de pequena cidade
e tornava-se metrópole.
Se o desenvolvimento urbano em São Paulo pela passagem do século
apenas pode ser compreendido no contexto geral da cultura cafeeira
e da industrialização no Estado, o de Krakau, que experimentou,
na época, similar crescimento de sua população, vinculava-se estreitamente
à criação de redes de estruturas capitalistas em toda a Galícia.
Também em Krakau houve a integração crescente de comunidades radiais
e a orientação da evolução urbana segundo desenvolvimentos da
indústria, do comércio e das vias de comunicação. Entre 1909 e
1915, Krakau deixou de ser, definitivamente, uma cidade pequena,
não-industrial.
Tanto em São Paulo como em Krakau, portanto, pode-se observar,
retrospectivamente, um processo transformador de grandes dimensões.
Orientações segundo perspectivas dominantes de cunho nacional
passaram a ser substituídas por linhas de pensamento onde predominavam
correntes do liberalismo, universalismo e cosmopolitismo. Provincialismos
e estruturas sociais passadiças deram lugar a uma atmosfera geral
caracterizada pelo dinamismo e pela abertura da urbanização possibilitada
pelo capital. Em Krakau, a perspectiva historicista passou a confrontar-se
com tendências modernas de orientação europeísta. O movimento
"Polonia Jovem" representou uma reação local ao Historismo e também
a entrada da cidade numa fase nova de evolução com base nos processos
desencadeados pelo liberalismo.
Entre 1890 e 1914, Krakau transformou-se no centro das discussões
arquitetônicas na Polonia. Esse desenvolvimento deveu-se sobretudo
à dinâmica das atividades artísticas e intelectuais como conseqüência
de um florescimento geral da cidade. A cidade transformou-se num
verdadeiro laboratório de experimentações arquitetônicas. Entretanto,
o historicismo sobreviveu em Krakau de forma mais intensa do que
em outras cidades. Talvez tenha sido a situação periférica, a
sensação de falta de reconhecimento e de liberdade que alimentou
o fascínio por um estilo nacional nas artes e na arquitetura.
Haveria também aqui processos em ação, talvez de cunho demopsicológico,
que explicariam similaridades em desenvolvimentos culturais e
urbanos ocorridos entre São Paulo e Krakau?
Em Krakau já havia, em fins do século XIX, um grupo de intelectuais
poloneses que se afastavam da cultura burguesa e do Historicismo
como sua expressão simbólica. Um dos meios para a superação do
ecletismo historicista foi encontrado na nova concepção do estilo
jovem, com a sua ornamentação vegetabílica. Também aqui foi um
teatro o símbolo principal dessa nova orientação, ou seja, o teatro
velho (Stary Teatr), reconstruido entre 1903 e 1906. Haveria aqui
possibilidades de estudos comparativos, pensando-se no já inexistente
Teatro São Paulo na capital paulista? Ou entre os pressupostos
que levaram à construção da Academia de Comércio de Krakau e à
Escola de Comércio Álvares Penteado, também representativa do
estilo art nouveau? Em todo o caso, o desenvolvimento do artesanato
e o da integração das artes na arquitetura, sobretudo através
da "Sociedade polonesa de artes aplicadas" mereceria ser estudada
em paralelo com tendências similares em São Paulo, particularmente
relacionadas com o Liceu de Artes e Ofícios.
Antonio Alexandre Bispo