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Poética da Urbanidade - Estudos interculturais
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Caicos Turks Islands
Materiais para as discussões do Colóquio Internacional de Estudos Interculturais (2004)

 

CAICOS/TURKS ISLANDS-SÃO PAULO NO PROGRAMA DE ESTUDOS INTERCULTURAIS "POÉTICA DA URBANIDADE" PELOS 450 ANOS DE SÃO PAULO

SUBMERSÃO DE CULTURAS E ARQUEOLOGIA AQUÁTICA DE URBANIDADES
Turk Islands, 20 de março de 2003

Súmula

 

Os mecanismos de urbanização colocados em ação pelos conquistadores, missionários e colonizadores no continente americano caracterizam-se por processos de conversão, de transformação mental e cultural que implicam na superação, ou melhor, na submersão de culturas.

Esse termo submersão parece corresponder adequadamente ao processo simbólico do batismo: o homem novo renasce e o homem velho morre. Essa imagem se encontra também nas pré-figurações do Antigo Testamento. Assim, a população da humanidade pré-diluviana afogou-se nas águas, salvando-se apenas Noé e os seus, e os egípcios se afogaram nas águas do Mar Vermelho, salvando-se o povo israelita guiado por Moisés.

De acordo com essa linguagem simbólica, de profundas raízes culturais e religiosas, torna-se justificável e adequado falar de culturas submersas com relação à cultura daqueles que foram conversos e integrados no universo da cultura ocidental. A superação dessas culturas processou-se, assim, através de seu mergulho em águas e do seu renascimento iluminado. Elas foram literalmente inundadas.

A água, na tradição da linguagem alegórica e simbólica de origem bíblica, vigente na cultura latino-americana, não tem apenas significados positivos. Como elemento, na sua mutabilidade e força, corresponde às ondas do mundo temporal, ao mar da vida, às correntes que o homem recebe do mundo exterior através dos órgãos dos sentidos. Assim como a água inunda a terra, destruindo-a, assim uma vida terrena pode ser destruída por correntes caudalosas advindas através dos sentidos.

O mecanismo de conversão através do exercício de representações simbólicas partiu de concepção análoga. A cultura do homem natural foi degradada na medida em que foi levada à várzea e posteriormente afogada. As suas expressões, instrumentos musicais, adereços, gestos, danças, foram levadas ao grotesco, como se tivessem sido atingidas por correntes de volúpia e de todos os demais vícios. Como acontece no carnaval, o mecanismo de transformação cultural colocado em ação foi ao mesmo tempo lúdico e sutilmente subversivo, preparatório à verdadeira quaresma que se sucedeu àqueles que foram alvo da carnavalização da própria cultura.

O termo "reconstrução" do passado cultural destruído, o termo "resgate" e muitos outros não são tão adequados para designar processos de transformação de realidades estabelecidas. O analista cultural deve, como um mergulhador, atirar-se às águas, ou seja, entregar-se nos seus estudos às correntes de mutabilidade que percebe na cultura. A atenção é dirigida sobretudo a tudo aquilo que se movimenta e é movimentado. Nesse mundo aquático, então, procura traços do submerso.

Aqui, porém, fazem-se necessárias diferenciações.

O que é destruído pelas águas é a terra, o homem terreno ou a cidade terrena, o que é imerso é a vida ou a cidade espiritual. Como a Gênese elucida, foi a deturpação da cidade pré-diluviana que levou à subida das águas. Após o dilúvio, Deus resolveu não mais permitir que a terra fosse destruida pelas águas. As águas surgem, aqui, como movidas por uma força oposta à deturpação da cidade da geração de Caim. Quando a cidade terrena já não mais está sujeita à cidade do alto, dos filhos de Seth, então o todo se corrompe, e aí as águas sobem. As águas aqui surgem assim apenas como um veículo de uma cidade de luz, da cidade celestial, da vida contemplativa, que se opõe à vida terrena e que havia sido imersa nas águas.

Tem-se nesse episódio, portanto, mais uma vez a imagem de duas cidades, uma dominadora e a outra escrava, como no caso da Jerusalem celestial e da Jerusalem terrena das elucidações do apóstolo Paulo. A subida das águas no dilúvio foi obra da mãe das águas, da vida espiritual, indignada pela prepotência da cidade terrena.

Do ponto de vista anti-tipológico, tem-se aqui, porém, a antinomia de duas irmãs, a da contemplação e a do trabalho. O contraste entre as duas formas de vida é muito mais ameno. Aqui, é a contrição da cidade espiritual o ponto angular.

Na cidade cristã implantada nas Américas, a cidade espiritual, eclesiástica, ascética, foi, pelo próprio sistema de conceitos implantados, sempre superior à cidade do trabalho e das atividades. Era vista como uma cidade de luz sempre em perigo de cair nas águas da temporalidade, sempre, porém, tendente a elevar-se. A verdadeira submersão, portanto, diz respeito não à cidade terrena, mas sim à cidade espiritual. Nessa dinâmica de verticalidade, de ascensão e descenção viviam os habitantes conversos da América no decorrer do ano impregnado de festas religiosas. A vida ativa passava a ser regida pela vida espiritual e pelos feriados do ano eclesiástico.

Uma arqueologia aquática da cultura, portanto, diz respeito à submersão não de valores materiais, mas sim de valores imateriais. Os estudos destinados a reconstruir o passado devem ser dirigidos à submersão desses valores das culturas submergidas. O método deve correponder aqui a uma reversão do mecanismo de desvalorização de Tipos, processo esse instituído com base em sistema de conceitos anti-típicos.

Antonio Alexandre Bispo

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