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Poética da Urbanidade - Estudos interculturais
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Volos
Materiais para as discussões do Colóquio Internacional de Estudos Inter-Culturais (2004)

 

VOLOS- SÃO PAULO NO PROGRAMA DE ESTUDOS INTERCULTURAIS "POÉTICA DA URBANIDADE" PELOS 450 ANOS DE SÃO PAULO

NATUREZA DUPLA DA CIDADE E A CIDADE VELHA
Volos, Tessalia, 21 de setembro de 2003

Súmula

 

A existência de duas cidades intimamente relacionadas entre si num complexo dinâmico, - a cidade da luz e a cidade material - , representa uma noção fundamental na mitologia, na teologia e na ordem simbólica da cultura transmitida aos países colonizados.

Essas imagens surgem, como salientado em várias discussões, freqüentemente representadas de forma personificada. Elas se referem a estados ou "mundos" interiores do homem, à vida mental e à vida do corpo.

A natureza dupla na simbologia do urbano explica-se, assim, pela sua natureza antropomórfica. Na realidade, a duplicidade se refere ao homem, que pode demorar-se na cidade espiritual ou viver na cidade terrena.

Na simbologia mitológica, a natureza dupla do homem é expressa com a figura do centauro. A região por excelência dessas criaturas foi a Tessália. Esses seres mixtos desempenharam papel de extraordinária relevância no conjunto dos antigos mitos. Dentre eles houve também um centauro de grande sabedoria, também vinculado à medicina e à música. Foi Chiron/Quirão, um mestre, verdadeiro pai espiritual de grandes heróis, entre eles Hércules e Esculápio.

O símbolo do homem com a parte inferior do corpo em forma de cavalo é perfeitamente compreensível, uma vez que permaneceu vivo na tradição cristã até o presente. Para compreendê-lo, deve-se partir das elucidações dadas pelo Apóstolo Paulo. O homem demonstra a esfera na qual vive interiormente pelos frutos que produz. Se manifesta, nas suas obras, ódio, ressentimentos, produzindo conflitos, é porque vive interiormente numa esfera determinada por aquilo que recebe através dos sentidos. Ele é preso à matéria e sujeito aos elementos. Se, porém, as suas palavras manifestam paz, bondade, amor e sabedoria, é porque vive em esfera espiritual, produzindo, assim, frutos do espírito. O homem tem, porém uma natureza dupla, gerando ou obras da carne - a sua natureza inferior, simbolizada pelo cavalo -, ou frutos do espírito. O grande modêlo mitológico do centauro que produzia frutos do espírito foi o já citado Chiron, o grande modêlo bíblico que gerou uma obra da carne e posteriormente um fruto do espírito foi Abrahão. Nesse caso, a obra da carne foi Ismael, o fruto do espírito foi Isaque. Como o Apóstolo Paulo elucida, trata-se aqui de uma alegoria. O mesmo diz respeito às duas mães, ou seja, às respectivas esferas ou "cidades" com as quais Abrahão conviveu, Sara e Hagar.

O Velho modelar seria aquele que, retirando-se dessa terra de centauros, colocar-se-ia numa posição de exemplaridade, tornando-se um condutor. Se Quirão, o instrumentista, foi o mestre ou o pai de uma comunidade que, apesar de todo o ensinamento continuava a produzir frutos duplos, Esculápio foi aquele que, embora pertencente a essa comunidade, procurou regenerá-la de seu mal, conduzindo-a para outra esfera, a espiritual. Na linguagem sincrética do helenismo tardio Quirão corresponde a Abrahão, Esculápio equivale a Moisés, aquele que levou Israel a atravessar o Mar Vermelho. A correspondência entre Moisés e Esculápio se manifesta também no símbolo da serpente, uma vez que Moisés levantou a serpente de ferro, símbolo considerado como pré-figuração da cruz.

Segundo a mitologia, os centauros descendiam de Ixion e de Nephele. Ixion foi o paradigma do homem sem respeito à esfera espiritual, pois pretendeu unir-se à Hera, esposa de Zeus, sendo por isso condenado a estar perenemente preso a uma roda de fogo. Os seus filhos são portanto aqueles que não se conseguem libertar desse fogo interno, presos continuamente a um movimento giratório, um verdadeiro purgatório causado pelos diferentes e mutáveis objetivos que almejam. É compreensível, assim, que o símbolo do centauro haja desempenhado importante papel na linguagem de imagens da cultura cristã, significando o homem da geração pré-diluviana originado da mistura dos filhos de Seth com as filhas de Caim, ou até mesmo o homem carnal e pecador.

No simbolismo dos astros, os centauros correspondem ao signo do Sagitário, representado que é por um desses seres. O homem desse signo teria, assim, as características de um centauro, sendo movido interiormente por um fogo espiritual que, em situação negativa, o conduz a mutáveis objetivos, jamais alcançando a paz. O modêlo excepcional desse tipo é representado pela constelação do Centauro, identificada como Quirão ou, na interpretação cristã dos céus, com Abrahão na sua qualidade de pai de Isaque. Nessa constelação encontra-se o Cruzeiro do Sul, símbolo das virtudes cardeais que o homem/centauro deve seguir tal qual Quirão.

Segundo o mito, o homem condenado a estar preso a uma roda viva de fogo, ou seja, a ser um centauro, foi castigado por Zeus ou Júpiter. Júpiter, significativamente, é considerado como sendo o "regente" do signo do Sagitário. Ele surge para o homem com natureza de centauro como sendo um verdadeiro dominador, um déspota, um tirano ou demônio que o obriga a uma vida de contínua movimentação e falta de paz. Se esse homem, porém, renunciar aos desejos impostos pelo fogo da vontade que o consome, obrigando-se à estabilidade, liberta-se do jugo desse deus, ou melhor, este se transforma em arconte, em administrador de sua vida. Este é o sistema dos "arcontes da luz" elucidado pelo Apóstolo Paulo e base de diversas expressões religiosas e místicas presentes na tradição popular da América Latina até hoje. Esse homem torna-se capaz de redirigir o seu fogo interno, a sua energia criadora.

Nesse conjunto de concepções pode-se falar também de uma Cidade Velha, tanto a Cidade Velha espiritual como a Cidade Velha terrena. Esta última seria a cidade sem urbanidade, simbolicamente a cidade de homens-cavalos, de centauros ambiciosos e cheios de presunção, eternamente imersa em movimento desordenado, sem sentido e orientação.

Antonio Alexandre Bispo

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