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HISTÓRIA DA MÚSICA E CONHECIMENTO (1971)
Antonio Alexandre Bispo
A minha tarefa é dar um curso de História da Música a alunos que estão sendo musicalizados segundo as concepções da Escola Waldorf, muitos dos quais tocam instrumentos, cantam em coro e participam das aulas de Euritmia. A História da Música não pode ser aqui ensinada como nos conservatórios e nas escolas que não estão vinculados a uma determinada visão do mundo e do homem. A História da Música já é, por si, uma matéria complexa, sobretudo no caso do Brasil. Ela é dividida, em muitos casos, em História Geral [ou "Universal"] da Música e História da Música no Brasil. Muitas vezes, a História da Música no Brasil surge apenas como um apêndice ou um capítulo complementar à História da Música Geral, como é o caso, por ex. dos livros de Domingos Alaleona ou Kurt Pahlen. Além do mais, distingue-se entre História da Música no Brasil e História da Música Brasileira. Esta última parte consciente ou inconscientemente do pressuposto que existe uma música com características brasileiras cristalizadas através dos tempos e que tudo o que vem antes representa uma espécie de preparação. A História da Música Brasileira pode e é também denominada de História da Música Nacional, ou seja, é ligada ao Nacionalismo. Também poderíamos falar de uma História Brasileira da Música, ou seja, de uma História da Música vista do ponto de vista brasileiro. Isso é o que mais ou menos tentamos fazer, uma vez que somos brasileiros ou aqui vivemos. A esses problemas da História da Música soma-se agora o fato de termos de considerar uma visão do mundo e convicções a respeito do conhecimento do Homem que são próprias à Antroposofia e que trazem implicações para a compreensão do processo histórico e da posição do Homem na história. Não podemos deixá-los de considerar, porque senão cairíamos em contradições e o ensino da História da Música não teria sentido no âmbito da formação dessa escola. Não sendo antropósofo e não tendo formação em Escola Waldorf, procurei orientação em escritos a respeito e sobretudo em entrevistas com a Profa. Tatiana Braunwieser. Ela conheceu Maria Steiner e seguiu de perto o desenvolvimento do movimento antroposófico nas suas primeiras décadas na Europa. Dela recebi valiosos documentos que demonstram o interesse pela História da Música e pela música dos povos não-europeus nos eventos, cursos e conferências da Antroposofia. Deles podemos até mesmo dizer que até hoje não se reconheceu suficientemente o papel desempenhado por esse movimento na História da Música do século XX. Percebe-se nas publicações antroposóficas sempre uma grande preocupação pelo elemento espiritual no fenômeno musical e a tentativa de decifrar esses "mistérios revelados". Os textos partem sempre da unidade entre o Macro- e o Microcosmos, entre o Homem e o Mundo. Isso exige uma visão por assim dizer "qualitativa" da História, procurando-se desvendar fundamentos e vínculos que se perderam através dos tempos. Parte-se do princípio que há certas características comuns, básicas, dos elementos musicais no ouvir das diversas nações no âmbito cultural ocidental. Entre as obras que nos foram recomendadas encontra-se o livro de Hermann Pfrogner (1954) denominado Música: História da sua Interpretação. O autor estudou musicologia com E. Schenk em Viena. Ele parte do princípio de que seria próprio de todas as artes que o seu íntimo, o seu âmago não poderia ser descrito por meio de palavras. Isso valeria sobretudo para a música. Desde os tempos mais antigos sempre procurou-se responder à questão da essência da música e tentou-se decifrar o seu mistério. Desde o início sempre se sentiu que havia um elo íntimo e oculto entre a Natureza, a Música e o Homem. A questão do âmago da música seria, também, a questão da essência do Homem. Nesse livro, Pfrogner procura demonstrar o caminho que essa questão percorreu no decorrer do processo musical do Ocidente. O seu trabalho não poderia ser chamado de Estética Musical, que para êle seria um termo restrito demais, nem de Filosofia da Música, o que seria para êle demasiadamente ambicioso. Ele divide o seu livro em 6 partes: 1) Pré-História, 2) Antiguidade, 3) Idade Média, 4) Época do Humanismo e da Renascença, 5) Época do Racionalismo e do Iluminismo e 6) Época do Individualismo. No primeiro capítulo, ele trata da música como magia e considera a China, a India, o Egito, a Grécia, a Escandinávia e a Finlândia. O segundo capítulo é dividido em 4 partes: a) Música como princípio construtor do mundo, no qual ele fala da China, da India, do Egito e cita Heráclito, Empedocles, Philolaos, Archytas e Platão, b) O empirismo musical, onde ele situa Aristóteles, c) o cepticismo musical, citando Philodemo de Gadara e d) o misticismo musical, no qual cita Philo de Alexandria, Plutarco, Plotin, Aristides Quintilianus e Claudios Ptolemaios. O terceiro capítulo, dedicado à Idade Média, é subdividido em 3 pontos. No primeiro, ele trata da concepção de música dos doutores da Igreja, a saber Clemente de Alexandria, João Crisóstomo, Jerônimo, Ambrósio e Agostinho. No segundo, a concepção de música direcionada sobretudo pelo neo-pitagoreismo e platonismo. Ele cita aqui, entre outros, Boécio e a Musica enchiriadis, J. Scotus Erigena, um manuscrito guardado na Biblioteca Nacional de Paris, Hugo de St. Victor e Dante Alighieri. O terceiro ponto é dedicado à concepção do mundo de natureza mais aristotélica. Ele trata de Cotto, Albertus Magnus, Tomás de Aquino, João de Grocheo e Roger Bacon. A quarta parte do livro não é subdividida e contém citações, entre outros, de Nicolaus de Cues, Ficinus, Agrippa de Nettesheim, Lutero, Fludd e Kepler. A quinta parte, subdivide-se em dois pontos: a doutrina dos afetos mais antiga, citando Descartes, Kircher, Leibnitz, Kuhnau, Mattheson e outros, e a doutrina da imitação, citando, entre outros, dAlembert, Diderot, Rousseau e Kant. A última parte divide-se em dois sub-capítulos. O primeiro trata de 4 pontos, ou seja a) a concepção musical do Romantismo, citando entre outros Herder, Schelling, Hegel, Schopenhauer, b) a concepção musical determinada por um pensamento formal, citando Hanslick, c) a concepção musical vinculada ao conteúdo, citando Wagner, Nietzsche e outros, e d) a concepção musical vinculada ao sujeito, onde cita, por ex., Kretschmar. O segundo sub-capítulo, divide-se por sua vez em duas partes. O primeiro, trata da música como arte sonora, onde cita Halm e Schenker, o segundo, trata da música no sentido da dinâmica interna de Kurth, da música como lei cósmica, citando Harburger, Kayser e Rudolf Steiner, e, por último, da música como símbolo, citando Schering. De Rudolf Steiner, o autor cita a conferência "A respeito da música", de 1906, na qual é feita a diferença entre três estados da consciência humana: a consciência diurna, a do sono com sonhos e sem sonhos e aquela a ser alcançada através da iniciação e do atravessar das esferas física, astral e devacânica. A música seria uma imagem desse último estágio de consciência. [...] Ora, se estamos numa escola que segue o pensamento de R. Steiner, precisaríamos ensinar a História da Música de uma forma coerente com os seus escritos. Caso contrário, estaríamos contradizendo o sistema geral do ensino nesta escola num de seus principais fundamentos. O ensino da História da Música não poderia ser aqui superficial, estudando apenas o desenvolvimento das correntes musicais de forma temporal-linear, citando compositores, obras e estudando os diferentes estilos. Ele precisaria considerar uma dimensão quase que oculta na história da música, aquilo que está por detrás da história, um presente eterno ou a eternidade presente na temporalidade da qual a música é expressão maior na sua realidade sonora. Precisaríamos, para isso, dirigir a nossa atenção à espiritualidade dos desenvolvimentos histórico-musicais. Ora, sob este aspecto, não faz sentido falar de "música brasileira", no sentido nacional do termo. Não podemos utilizar grande parte de nossa literatura de cunho nacionalista. A música no Brasil precisaria ser vista sob um prisma universal, ou melhor, universalista na mais alta acepção da palavra. Aonde poderíamos, então, encontrar as bases para o seu estudo e ensino? Creio que só na simbologia de nossas tradições populares, pois ela leva justamente a esse nível universal do entendimento do cosmo e do homem. São nas nossas tradições que podemos encontrar os fundamentos universais, as noções metafísicas da nossa cultura. Longe de poderem fornecer as bases de um nacionalismo superficial, como o querem muitos de nossos estudiosos, são elas a porta para a universalidade do espírito, para a compreensão da unidade do Humano. Precisamos, porém, desenvolver métodos adequados para a sua análise, para o reconhecimento do seu conteúdo e para o seu ensino. Não é tarefa fácil, uma vez que ainda está tudo por fazer, considerando-se o estado caótico a que levaram os estudos feitos até hoje a partir de premissas inadequadas. [...]
Pontos preparados para a discussão do curso a ser ministrado de História da Música na Escola Higienópolis da Associação Brasileira de Ensino "Rudolf Steiner" (Excertos). Publicado em partes em BrasilEuropa & Musicologia, Köln: I.S.M.P.S. e.V. 1999, 107-109. ©Todos os direitos reservados
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