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MUSICOLOGIA COMPARADA E/OU MÉTODO COMPARATIVO ANDRÉ SCHAFFNER E WALTER WIORA (1972)
Antonio Alexandre Bispo
A nossa matéria se denomina "Etnomusicologia", um termo que é relativamente novo no currículo dos cursos de música do Brasil. Este seria, segundo muitos, uma nova denominação para a antiga disciplina Musicologia Comparada ou Comparativa. Tornou-se comum criticar esse termo Musicologia Comparada à cópia do que acontece nos Estados Unidos, pelo que parece. Nessa discussão, porém, parece que falta lógica, tanto no que diz respeito ao tão decantado termo Etnomusicologia, como no que diz respeito ao termo Musicologia Comparada. Vamos hoje nos dedicar exclusivamente a esse último termo, que não é tão ruim como parece, se bem entendido, é claro. Esse assunto já foi tratado de forma muito detalhada pelo musicólogo alemão Walter Wiora, hoje com 66 anos, mas é eternamente colocado em questão por todo o iniciante em etnomusicologia. Esse professor já exerceu e exerce importantes cargos em organizações musicológicas alemãs e internacionais e tem várias obras publicadas, difíceis de serem conseguidas no Brasil, como os Srs. podem ver da bibliografia. Ele salienta, e com razão, que o termo "Musicologia Comparativa" não deve ser visto como uma denominação superada da Etnomusicologia: ele não designa uma matéria ou disciplina, mas antes um método. Gostaria que isso ficasse claro entre nós daqui para adiante. Não podemos confundir! O método comparativo é utilizado em muitas ciências e tem a sua razão de ser também na musicologia. O que não é correto, porém, é tratar a música de povos não-ocidentais somente sob uma perspectiva comparativa. Aqui parece que houve o mal-entendido. Poderíamos porém tratá-la também só sob uma perspectiva étnica? É claro que não. A meu ver, não houve vantagem alguma na pretensa substituição do nome, pois ambos os termos são inadequados. Precisamos, porém, usar o termo "comparação" de forma refletida. Tenho discutido muito a respeito desse assunto com o Mtro. Braunwieser, que me indicou um trabalho de Walter Wiora apresentado no 9° Congresso Internacional de Musicologia levado a efeito em Salisburgo, a cidade natal do Mtro e aberto pelo seu professor, Bernhard Paumgartner. Esse artigo se denomina "Idéia e Método da Pesquisa Musical comparada". Vários outros musicólogos discutem o assunto, o que é altamente interessante. Wiora salienta no seu artigo que o termo "Musicologia Comparada" já foi utilizado no passado não só para o estudo da música extra-européia e das tradições folclóricas européias. Com o seu abandono, corre-se o perigo de se perder aquilo que é muito mais importante do que o nome, ou seja, a idéia sintetizante de um método de pesquisa. Trata-se de uma questão fundamental da musicologia. Essa questão e essa idéia estavam vivas na fundamentação da "Musicologia Comparada" de Stumpf, Hornbostel, Fleischer, Lach e outros, apesar de ter ficado um pouco apagada devido à descoberta de tantos estilos no mundo. Um dos principais argumentos para a supressão da denominação Musicologia Comparada é que não faz sentido chamar esse ramo da disciplina de comparativo, pois, na verdade, todas as ciências comparam. Esse argumento, porém, já foi considerado antes, até mesmo por Hornbostel, em 1905! Trata-se de uma perspectiva inter- e supraregional da música, por ex. na distinção entre Oriente e Ocidente. A expressão é uma abreviação e significa, na verdade, "Pesquisa Musical supra-regional, metódica e comparativa". O termo Etnomusicologia parte da área de estudo, ou seja, "povos", o termo Musicologia Comparativa de um método. O termo "Musicologia Comparada" não é coincidente com a Etnomusicologia e nem mesmo com uma de suas partes, ou seja, da "Etnomusicologia comparada". Tem-se aqui um método que pode ser empregado em quase todos os campos da Musicologia: na pesquisa da Pré-História, da Antiguidade e da Idade Média, na Psicologia da Música, da Sociologia da Música etc. A aplicação e a crítica desse método não é assunto só de etnomusicólogos, mas sim também de historiadores da música e de todos os musicólogos. Uma importantíssima observação de Walter Wiora diz respeito à idéia de que a diferença entre a Etnomusicologia e a Musicologia Comparada reside no fato de que a primeira diz respeito à música como parte da vida do homem, enquanto que a última se dedica apenas a sistemas sonoros, formas e estilos, o que aqui no Instituto fazemos na discilina "Estruturação Musical". Na verdade, porém, ela se dedica também ao estudo de concepções musicais, à teoria do ethos, ao simbolismo dos instrumentos etc. De resto, também a História da Música trata da música na vida do homem. Uma diferença real pode ser vista no fato de que a Musicologia Comparada sempre permanece no âmbito da Musicologia, enquanto que muitos etnomusicólogos vieram da Etnologia ou se consideram mais vinculados a ela. A parte histórica da Musicologia Comparada é problemática, mas necessária. Assim como em outras ciências, a pesquisa comparativa pode ser aplicada tanto na pesquisa sistemática dos fundamentos como também na história ou na etnologia. O seu valor para a Psicologia foi uma ds razões do seu uso por Stumpf e Hornbostel. Guido Adler usou o termo de forma particularista, considerando-a como área secundária da parte sistemática da Musicologia e R. Lach considerou-a como uma espécia de "História Natural". Comparar metódicamente implica tanto na pesquisa de traços comuns como também na das diferenças. O método comparativo não tem nenhum objeto de estudo particular e não é, portanto, nenhuma "disciplina". A Musicologia Comparada, nesse sentido. inclui também outros métodos, como o procedimento filológico-histórico, o fenomenológico, o geográfico, o estatístico, o cartográfico, etc. A comparação de fenômenos tem sido feita, é verdade, de forma amadorística, comparando-se fenômenos que não podem ser comparados entre si. Ela jamais pode ser bi-lateral, mas deve ser sempre multilateral. Cada vez mais se pesquisa de forma séria hoje em dia, como se relacionaram e se relacionam entre si o Ocidente e o Oriente, a Ásia, a África e a América, o Novo e o Velho mundo. Na longa discussão que se seguiu à conferência de Walter Wiora, vários etnomusicológos e musicólogos puderam fazer críticas e expressar as suas opiniões. A renomada pesquisadora francesa Claudie Marcel-Dubois lembrou sobretudo de um artigo de André Schaeffner, de 1954, que tem o título "Ethnologie musicale ou musicologie comparée". Esse autor, cujo estudo a respeito da música africana se encontra traduzido para o português na coletânea que nos serve de manual e que será tratado no semestre dedicado à África, fala claramente de "Etnologia musical" e não de "Etnomusicologia" como altenartiva à Musicologia Comparada. Marcel-Dubois acha que seria periogoso misturar os termos Etnomusicologia e Musicologia Comparada, pois eles não seriam equivalentes nem do ponto de vista do método, nem do ponto de vista das idéias. Não se deve falar de duas escolas ou ver num ou noutro a denominação mais genérica. Os métodos do etnomusicólogo resultam, segundo ela, de duas disciplinas, a Etnologia ou Antropologia cultural e social e da História da Música. Ele pode "comparar", mas deve estar atento de só comparar aquilo que é comparável. Primeiro seria necessário limitar um sistema, antes de procurar analisar os seus elementos de base. A comparação exagerada de melodias de diferentes estilos poderia levar a "forcer la vérité". Esse método de trabalho poderia levar a esqueletos aos quais faltam a vida. Tem-se escalas, mas faltam aqueles componentes que lhes dão sentido, ou seja, timbre, grau de variabilidade a função social. Para ela, seria mais importante estudar as funções, o nível cultural ou os vínculos históricos do que detectar diferenças ou similaridades na linguagem musical e nos sistemas de diferentes estilos. O etnomusicólogo se distinguiria do pesquisador da música ocidental pelo fato de estudar exclusivamente a música de tradição oral. Ele só pode analisar os fenômenos musicais na situação em que ocorrem. Para Claudie Marcel-Dubois não seria um etnomusicólogo aquele que trabalha com dados recolhidos por outros, analisando-os ou comparando-os. O documento gravado poderia segundo ela ser aqui comparado com um manuscrito. O pesquisador que analisa os registros sonoros fora do seu contexto poderia ser comparado a um pesquisador que trabalha com manuscritos, arquivos e partituras. Claudie Marcel-Dubois acentua, portanto, o papel do contexto. O problema na sua argumentação deve ser visto porém no fato de que os etnomusicólogos não se dedicam só à música transmitida oralmente, mas também à de povos com notação musical, por ex. do Oriente. Quanto ao termo "Etnologie musicale", que conhecemos aqui no Brasil na antiga matéria "Folclore e Etnografia musical", e que corresponde ao alemão "musikalische Volks-und Völkerkunde", sugerido por W. Wiora, foi êle altamente criticado por um musicólogo de nome Ernst Heins. Para ele, essa termo seria egocêntrico, ou melhor, centralizado no ponto de vista europeu: nós de um lado, os outros povos do outro. Ele estaria muito mais interessado em descobrir as características da música popular grega, ungárica, da Bretanha ou da Ucrânia do que procurar traços comuns hipotéticos nesse espaço cultural europeu. Tratar-se-ia sobretudo de realidades, de diferenças de estilos. Essa argumentação de Heins pode portanto ser criticada por partir só da diversidade, por ser demasiadamente determinada pela idéia geográfica, regional ou nacional e a de estilos. Como ele porém bem salienta, ele não seria contra comparações, mas sim contra comparações daquilo que não pode ser comparado. Muitas vezes haveria analogias entre fenômenos musicais de diferentes culturas, mas delas não se deveriam tirar conclusões especulativas a respeito de uma origem comum. Toda a atenção deveria ser dirigida à música em si, que deveria ser coletada e estudada de maneira adequada. Favorável a uma re-introdução do termo Musicologia Comparada foi o americano Harold S. Powers, um pesquisador da música da Índia. Ele coloca dúvidas, porém, quanto à noção da comparação supra-regional. Como é que se delimitaria uma região? Os estudos comparativos deveriam se restringir a regiões ou fenômenos próximos e bem documentados. Nos Estados Unidos discutir-se-ia muito a questão de um direcionamento mais antropológico ou mais musical da pesquisa. Ele e alguns de seus colegas norte-americanos seriam da opinião que a música, seja ela oriental ou ocidental, erudita ou não, deveria ser vista mais como um produto cultural, de modo que não tanto critérios etnológicos deveriam ser empregados na musicologia, mas sim critérios musicais na etnologia. Ele salienta que se deveria distinguir muito bem entre "musical ethnology" e "ethnic musicology". Em culturas, nas quais a música é indissociável de outros fatos culturais, o método mais adequado seria o da Etnologia musical, em outras, ao contrário, nas quais a música é vista como arte independente, pareceria ser mais adequado o método da "ethnic musicology". Importantes são os argumentos de Marius Schneider, que defende o emprêgo do termo Musicologia Comparada. Segundo ele, quando se começou a trabalhar com esse termo, ocorreram, de fato, vários problemas, pois compararam-se fenômenos que não podem ser comparados entre si. Mais tarde, criou-se o conceito Etnomusicologia. O que é que se ganhou com isso? Para ele o comparar é indispensável do ponto de vista técnico. A questão reside nas conclusões que são tiradas das comparações. Ele próprio tirou os seus melhores critérios de comparações. Quando se compara coisas que são semelhantes ou mesmo apenas parcialmente similares, pode-se detectar o critério do procedimento para distingui-las entre si. Ele pergunta a todos aqueles que defendem tanto a Etnomusicologia: aonde é que fica a delimitação? Fala-se de áreas, mas ninguém as delimita. O conceito "Musicologia Comparada" seria, de fato demasiadamente abrangente. O termo "Etnomusicologia", porém, totalmente insuficiente e leva ao nada. Segundo Eric Werner, a Pesquisa Musical Comparada seria especialmente adequada para servir como de intermediária entre as fronteiras entre as ciências naturais e as humanas, algo tão importante no presente. Quanto à parte relativa às ciências naturais, ele se interessaria não tanto pelos aspectos biológicos, mas sim pelos matemáticos, ao fenômeno acústico como um fato. As variantes de um canto, por ex., podem ser ordenadas de tal forma que permitam que se reconheça uma lei segundo as probabilidades normais de ocorrência. Por fim, W. Wiora responde às críticas feitas, dizendo que ele não queria representar a antiga Escola de Berlim e nem fundar uma nova Escola de Berlim. A crítica deveria ser feita não aos fundadores, mas sim aos discípulos dos antigos pesquisadores da Escola de Berlim, que não teriam desenvolvido o caminho aberto. Eles teriam sido uma espécie de traidores. Quando se compara, não se precisa supor, de antemão, um vínculo de natureza genética. Revela-se apenas fenômenos comuns e, assim como seria absurdo não considerar as diferenças, também seria absurdo não querer reconhecer fatos comuns. Mais uma vez ele salienta: não há uma oposição entre a Musicologia Comparada e a Etnomusicologia. Esta tem um campo, a outra não. A Musicologia Comparada é um método, a Etnomusicologia, uma disciplina. De resto, e isso é importantíssimo para nós, Wiora reforça a sua concepção de que a comparação não se restringe apenas aos sistemas tonais e ao rítmo, mas também aos contextos sociais. Sobretudo Klaus Wachsmann levanta um problema que toca mais de perto o Brasil. Para ele, essa discussão daria a impressão de que seríamos livres na escolha de um método. Isso não seria o caso da África. O interesse dos africanos na sua própria música seria cada vez maior. O método comparativo seria o único que conta, pois conceitos da pesquisa musical se orientam segundo a música ocidental. Também a intervenção de Aloys Fleischmann, da Irlanda, é de grande interesse para nós. Segundo ele, o principal argumento contra a comparação residiria na falta de conhecimento suficiente do material. Nisso, porém, países que parecem ser secundários se tornam, de repente, de altíssimo interesse. Do ponto de vista musicológico, a Irlanda seria um país marginal. Na verdade porém, ela se torna importantíssima do ponto de vista etnomusicológico. Só ele já teria elaborado um índice temático de 20.000 melodias, mais ou menos. Ele perguntaria, portanto, como é que se poderia ajudar financeiramente tais paises "sub-desenvolvidos" para a realização desses projetos de base. Para finalizar precisamos deixar bem claro, portanto, que nós, no Brasil, não podemos voltar a discutir questões que foram mais do que discutidas. Seria diletantístico e típico de todos aqueles que se iniciam na matéria. Para o desenvolvimento da musicologia no Brasil, o método comparativo é fundamental, desde que respeitado, é claro, o contexto histórico e cultural. Não podemos trabalhar sem a comparação, por ex., de melodias e danças das várias regiões do Brasil entre si, entre elas e Portugal e as várias regiões da África, assim como com os outros países íbero-americanos. Também temos que fazer comparações quanto ao contexto sócio-musical das grandes cidades e das zonas rurais, ao desenvolvimento econômico com relação aos outros países, à educação musical entre as diversas instituições, regiões, estados, e assim por diante. Mais ainda do que o estudo da música a que chamamos folclórica, cabe à história da música fazer uso do método comparativo, de forma rigorosa é óbvio. Paralelamente porém, e talvez até mesmo prioritariamente, devemos criar as bases necessárias de documentação.
Aula do curso de Etnomusicologia da Faculdade de Música e Educação Artística do Instituto Musical de São Paulo, 1972. Publicada em BrasilEuropa & Musicologia, ed. H. Hülskath, Köln: I.S.M.P.S. e.V. 1999, 146-150. ©Todos os direitos reservados
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