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A VIDA DE IMIGRANTES ALEMÃES E A MÚSICA NO BRASIL
Das palavras de abertura da Exposição "Imigração Alemã e Música no Brasil" (1999), organizada no âmbito do Congresso Internacional BRASIL-EUROPA 500 Anos: Música e Visões, da Academia Brasil-Europa/ISMPS e.V., sob o patrocínio da Embaixada do Brasil na Alemanha
Academia BRASIL-EUROPA: Exposição de documentos sobre a "Vida de Imigrantes Alemães e a Música no Brasil, Congresso BRASIL-EUROPA 500 Anos: Música e Visões, Colonia, 1999. À esquerda para o leitor: J.de Assis Mendonça, Deutsche Welle; à direita: A. A. Bispo.
(Excertos em tradução)
Antonio Alexandre Bispo (1999)
O texto aqui publicado oferece excertos de conferência proferida para a abertura da Exposição "Vida de Imigrantes Alemães e Música no Brasil", realizada no Centro de Estudos da Academia Brasil-Europa, em Colonia, em 1999. A exposição fêz parte da programação do Congresso Internacional BRASIL-EUROPA 500 anos: Música e Visões, evento de abertura do triênio de eventos científicos da A.B.E. por motivo das comemorações dos 500 anos do Brasil. O evento inseriu-se nos trabalhos que a Academia Brasil-Europa e entidades a ela vinculadas vêm desenvolvendo há décadas, de forma pioneira, na área dos estudos culturais de imigração e colonização em contextos euro-brasileiros. Pertencem ao Programa da Academia de título "Mundo de Língua Alemã - Mundo de Língua Portuguesa". Alguns marcos no desenvolvimento deste Programa da A.B.E.: 1972. Após trabalhos iniciais em São Paulo, o programa foi sistematicamente iniciado em 1972 com uma viagem de estudos, contatos e pesquisas a regiões de colonização alemã no Sul do Brasil e no Estado do Espírito Santo. Foi acompanhado por conferências e cursos. 1974. Encontro com entidades nusicais de Hamburgo e região para o desenvolvimento dos estudos em cooperação internacional. 1982. Seguindo-se a outras viagens de estudos ao Sul do Brasil, o tema foi tratado no âmbito do I° Forum BRASIL-EUROPA, de Leichlingen, com a realização da Ia. Semana BRASIL-ALEMANHA de Música, sob a direção de A.Bispo e sob o patrocínio da Embaixada do Brasil. 1983. Sessões dedicadas à Imigração Alemã nas Américas na Semana de Música do III Forum BRASIL-EUROPA, de Leichlingen, com o apoio da Embaixada dos Estados Unidos na Alemanha e do Instituto Interamericano de Musicologia (Montevideo). 1992. II° Congresso Brasileiro de Musicologia. Sessão especial sob o patrocínio do Consulado da Áustria, Universidade Federal do Rio de Janeiro. 1994. Primeira exposição de documentos da vida musical de imigrantes alemães no Brasil nas salas do InterNationes, Bonn, organizada por A. Bispo. Conferência/Concerto para a Sociedade Teuto-Brasileira sobre a contribuição de alemães à vida musical no Brasil. 1997. Conferência sobre a Música na Imigração Alemã no Brasil para o colégio de professores da Universidade de Colonia. 1999. Concerto com obras de compositores de origem alemã atuantes no Brasil na Aula da Universidade de Colonia. 2002. Sessão dedicada a questões do Colonialismo e dos Estudos Pós-Coloniais no Forum BRASIL-EUROPA do Rio Grande do Sul, no âmbito do Congresso Internacional de Estudos Euro-Brasileiros da A.B.E., com o apoio do Govêrno do Estado do Rio Grande do Sul. 2006. Sessões no âmbito do Seminário "Migração e Estética", sob a direção de A.A.Bispo A Alemanha desempenha um papel de extraordinária importância na História da Música Ocidental e no desenvolvimento dos estudos musicológicos. Merece, portanto, particular consideração no contexto deste Congresso Internacional de abertura dos eventos científico-culturais pelos 500 anos do Brasil. Uma parcela considerável da população brasileira é de origem de culturas de língua alemã, sendo que alguns Estados do Sul do país apresentam evidentes traços de sua cultura, na qual a música desempenha papel de relevância. De grande significado é também a ação de compositores, regentes e músicos alemães, austríacos e suíços que, como modêlos, agentes e multiplicadores exerceram decisiva influência na formação musical e na criação artística no Brasil. (...) Música, visões e imagens O imigrante, que tomara a difícil decisão de abandonar a sua pátriam trazia uma imagem daquilo a que aspirava, uma visão da idealizada situação de bem-estar, da vida que desejava levar. Era essa visão que orientava-lhe a vida e que era transformada gradualmente em realidade, apesar de todas as deficiências impostas pelo mundo material. Esse retrato ideal correspondia naturalmente a expectativas européias e contrastava fortemente com a realidade. Exigia sobretudo o domínio do mundo natural em regiões que se encontravam muitas vezes ainda em estado incólume. Na tentativa de concretizar a sua visão interior, o imigrante partia do pressuposto que a realidade a ser colonizada representava por assim dizer uma tabula rasa, uma terra a ser desbravada e cultivada.
O texto aqui publicado oferece excertos de conferência proferida para a abertura da Exposição "Vida de Imigrantes Alemães e Música no Brasil", realizada no Centro de Estudos da Academia Brasil-Europa, em Colonia, em 1999. A exposição fêz parte da programação do Congresso Internacional BRASIL-EUROPA 500 anos: Música e Visões, evento de abertura do triênio de eventos científicos da A.B.E. por motivo das comemorações dos 500 anos do Brasil.
O evento inseriu-se nos trabalhos que a Academia Brasil-Europa e entidades a ela vinculadas vêm desenvolvendo há décadas, de forma pioneira, na área dos estudos culturais de imigração e colonização em contextos euro-brasileiros. Pertencem ao Programa da Academia de título "Mundo de Língua Alemã - Mundo de Língua Portuguesa". Alguns marcos no desenvolvimento deste Programa da A.B.E.:
1972. Após trabalhos iniciais em São Paulo, o programa foi sistematicamente iniciado em 1972 com uma viagem de estudos, contatos e pesquisas a regiões de colonização alemã no Sul do Brasil e no Estado do Espírito Santo. Foi acompanhado por conferências e cursos. 1974. Encontro com entidades nusicais de Hamburgo e região para o desenvolvimento dos estudos em cooperação internacional. 1982. Seguindo-se a outras viagens de estudos ao Sul do Brasil, o tema foi tratado no âmbito do I° Forum BRASIL-EUROPA, de Leichlingen, com a realização da Ia. Semana BRASIL-ALEMANHA de Música, sob a direção de A.Bispo e sob o patrocínio da Embaixada do Brasil.
1983. Sessões dedicadas à Imigração Alemã nas Américas na Semana de Música do III Forum BRASIL-EUROPA, de Leichlingen, com o apoio da Embaixada dos Estados Unidos na Alemanha e do Instituto Interamericano de Musicologia (Montevideo).
1992. II° Congresso Brasileiro de Musicologia. Sessão especial sob o patrocínio do Consulado da Áustria, Universidade Federal do Rio de Janeiro.
1994. Primeira exposição de documentos da vida musical de imigrantes alemães no Brasil nas salas do InterNationes, Bonn, organizada por A. Bispo. Conferência/Concerto para a Sociedade Teuto-Brasileira sobre a contribuição de alemães à vida musical no Brasil.
1997. Conferência sobre a Música na Imigração Alemã no Brasil para o colégio de professores da Universidade de Colonia.
1999. Concerto com obras de compositores de origem alemã atuantes no Brasil na Aula da Universidade de Colonia.
2002. Sessão dedicada a questões do Colonialismo e dos Estudos Pós-Coloniais no Forum BRASIL-EUROPA do Rio Grande do Sul, no âmbito do Congresso Internacional de Estudos Euro-Brasileiros da A.B.E., com o apoio do Govêrno do Estado do Rio Grande do Sul.
2006. Sessões no âmbito do Seminário "Migração e Estética", sob a direção de A.A.Bispo
De E. von Jungenfeld, Ein deutsches Schicksal im Urwald, Berlin 1933 O índio: o grande perdedor
A imagem do Homem do imigrante opunha-se àquela do índio. Este foi o grande perdedor nas regiões da imigração. Não podemos esquecer que acontecimentos particularmente trágicos da história indígena não se passaram somente nos primeiros séculos da presença dos portugueses no Brasil, mas sim e sobretudo a partir do século XIX, em estados colonizados por imigrantes da Europa Central. Aqui ainda falta uma real e sincera releitura auto-crítica do passado, uma "Vergangenheitsbewältigung" por parte dos alemães e de seus descendentes. Fatores emocionais e Verklärung do passado O visualizado pelos imigrantes precisava ser mantido e continuamente refortalecido, para o qual contribuiam os valores sentimentais e emocionais com ele relacionados. Aqui deparamos com o papel extraordinário exercido pela música, em em particular, pelo canto alemão. Heimweh e a Sehnsucht, a saudade e o anelo, impregnavam a vida dos primeiros imigrantes e deixavam que, aos poucos, desaparecessem aspectos negativos do passado, fazendo-o ressurgir sob nova luz. Criava-se, assim, uma imagem idealizada do passado. Anamnese e deslocações do ciclo anual Foi sobretudo nas grandes festas do ciclo do ano, em particular no Natal, que a música mais contribuiu para a idealização da imagem do passado e para o fortalecimento do visualizado para o futuro. O imigrante, confrontado com a natureza do verão tropical, procurava remontar interiormente ao inverno europeu, transportando tradições natalinas para o Brasil. Canções alemãs de Natal exerceram assim importante papel no cancioneiro da imigração. Não apenas no convívio com os brasileiros, mas sobretudo no decorrer das gerações de descendentes dos primeiros imigrantes foi-se manifestando a necessidade de traduzir-se esses cantos para o português. Esse fato, porém, não só valia para as tradições de inverno, que no Brasil caem no verão, mas também para aquelas ligadas à primavera, que no Brasil corresponde ao outono. Os Frühlingslieder constituiram importante parte do repertório de associações e coros alemães no Brasil. Canto alemão na vida da imigração O canto marcava todas as fases da vida do imigrante, do nascimento até a morte. Festas familiares, - como a das bodas de ferro do casal Peter e Dorothea Lukas, em Blumenau, em 1899, aqui representado na exposição -, eram celebradas com canto, música instrumental e danças. Assim, não surpreende o fato de terem sido os cantos os principais traços culturais que sobreviveram entre os descendentes das primeiras levas imigratórias. O cantar e tocar no seio familiar exigiam naturalmente a formação musical dos filhos, e é aqui, na educação musical a nível doméstico, que vemos um dos mais importantes fundamentos da ação alemã na vida musical do Brasil. O surgimento e o fortalecimento de sentimentos comunitários e, em consequência, de planos de realização coletiva nos povoados que se originaram nas regiões de imigração foram sempre intimamente relacionados com a festas religiosas e cívicas. A vida associativa desenvolveu-se cedo nas comunidades de língua alemã. As atividades sociais das associações de tiro, de clubes, assim como de associações desportivas e recreativas representaram sempre boas ocasiões para apresentações musicais. Algumas dessas reuniões associativas reuniam centenas de pessoas, como nos demonstra uma foto aqui exposta de uma festividade do Club União do Rio do Peixe, Santa Catarina (ca. 1920). Do Das Gedenkbuch zur Jahrhundertfeier deutscher Einwanderung im Staate Santa Catarina, Florianópolis 1929 Além do mais, a música fazia-se necessária para as apresentações teatrais e sobretudo de bailado, como ilustram fotografias tiradas em Blumenau no início da década de 20. Não podemos esquecer do carnaval, festejado com bailes nas associações, fato também documentado com foto de Blumenau, de 1929. Dias cívicos alemães e brasileiros passaram a ser comemorados com desfiles de associações e de escolares, acompanhados por fanfarras e bandas. Há muitos documentos de grupos escolares em desfile nas várias cidades de população de língua alemã, tal como Joinville, como nos mostra uma fotografia de 1920. Música militar alemã fazia-se ouvir também por ocasião de visitas de personalidades ou, por exemplo, na festa de recepção de um navio da marinha alemã, em Blumenau, no início do século. Os círculos de leitura, que inicialmente mantiveram e estabeleceram elos de comunhão dos imigrados com a vida intelectual alemã, representaram também berços de associações de interesses artísticos e filosóficos. Um marco excepcional da história da vida intelectual alemã no Brasil foi a passagem do centenário de Goethe, festejado em várias cidades, em 1932. Comunhão intelectual e comunhão espiritual A comunhão com a vida intelectual alemã uniu-se assim muito cedo a esforços destinados ao fortalecimento de uma comunhão espiritual. Parece ser significante que muitos alemães se sentiram atraídos pelas ciências ocultas e por práticas esotéricas. A música sempre desempenhou papel de extraordinária importância no Esoterismo. Como exemplos, vemos aqui nesta exposição documentos da festa de Mozart no círculo esotérico "da Comunhão do Pensamento" em São Paulo, por ocasião da passagem dos 140° anos da morte do compositor austríaco. No edifício conceitual relacionado com a "comunhão do pensamento", a visão interior do homem e a música - sobretudo a de Mozart - uniam-se para a criação e manutenção de uma rêde de contactos humanos, não aparente mas atuante na sociedade. Não apenas a teosofia, mas sobretudo a antroposofia - dela originada - foi e é de grande importância na formação musical dos alemães e seus descendentes. Muitos músicos e apreciadores da música receberam a sua formação em escolas Waldorf no Brasil. (...)
Ideais educativos e situação de imigração Como a coleção aqui exposta de cantos do Barão de Macahubas demonstra, já no Império os escolares brasileiros aprendiam a entoar alguns cantos em alemão. O nosso interesse, porém, não se dirige apenas à divulgação de cantos escolares alemães. O que nos parece mais importante é o ideal educativo acalentado pelas escolas de língua alemã. Em primeiro lugar, porém, precisamos reconhecer o íntimo relacionamento dos cantos escolares com a religião nas escolas dos primeiros povoados de imigrantes. Nas pequenas localidades, a igreja servia de escola e nela as crianças aprendiam cantos para o culto. A esse mundo do passado nos levam fotografias aqui expostas de escolas da Colonia de Cruzeiro, da primeira comunhão de escolares de um povoado de Santa Catarina, de recreações durante uma pausa na escola alemã de Florianópolis, da classe de aula da escola alemã de Castro, no Paraná, e de uma reunião da escola alemã de Santo Amaro, em São Paulo.
Um problema sério para os professores dessas escolas era o da tradução de textos dos cantos escolares para o português. Um manuscrito dos anos 30 apresenta uma tentativa nesse sentido. Também a falta de material didático exigia esforços extras dos professores, levando-os a compor e a preparar textos para as aulas. Isso nos demonstra um manuscrito a respeito do violino, de autoria de um professor de São Paulo. Nessa cidade, a vida musical na escola alemã da Vila Mariana desempenhou sempre um papel relevante e inovativo com relação ao repertório utilizado, como o demonstra um programa de concerto realizado, em 1935, a favor do jardim da infância. Não podemos porém esquecer da atuação de músicos de língua alemã no ensino musical nas próprias escolas brasileiras.
(...)
Significado do canto coral para as comunidades Um dos campos de atividades dos mais importantes na história da ação alemã na música no Brasil foi o canto coral. Pode-se até mesmo dizer que a contribuição mais valiosa dada pelos imigrantes alemães para a vida musical no Brasil consistiu na criação de uma rêde de associações de canto coral. Essa prática incentivou o movimento coral de entidades brasileiras e contribuiu para o surgimento de obras corais de autores brasileiros. Coros - sobretudo masculinos - e Liedertafel surgiram em praticamente todas as localidades de colonização de língua alemã no Espírito Santo, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná. Representando essas numerosas associações, citamos a aqui representada associação de canto masculina Linha Araripe, de Nova Petrópolis, Rio Grande do Sul, de 1934. A documentação fotográfica dessas sociedades refere-se quase sempre às anuais festas de fundação (Stiftungsfeste). Entre as grandes sociedades alemãs do Brasil citamos aqui a Harmonie-Lyra de Joinville, cuja importância se manifesta num retrato de sua imponente sede, e a Lyra do Rio de Janeiro A organização supra-regional por excelência do canto coral alemão no Brasil foi o Deutscher Sängerbund Brasilien. Significado da música de câmara O trabalho associativo das comunidades de língua alemã também foi de extraordinária importância para o desenvolvimento da música de câmara no Brasil. Lembramos aqui das sociedades Germania e Donau de São Paulo, que colocavam as suas salas à disposição de artistas e conjuntos que divulgavam obras de compositores contemporâneos quase que desconhecidos no Brasil. Provas disso oferecem programas de concertos de fins da década de vinte, assim como uma carta, em alemão, dirigida a um dos músicos participantes por um dos ouvintes desses concertos. O trabalho de duas importantes associações alemãs de canto coral de São Paulo, o Frohsinn e o Schubert-Chor merece ser aqui salientado. A primeira sociedade pode ser comparada às numerosas outras entidades do gênero em várias regiões de colonização alemã do país. Os vários programas e as fotografias que possuímos dessa associação demonstram a intensidade de suas atividades. Sobretudo as festas sociais anuais davam ensejo a apresentações e concertos com artistas convidados. Na nossa exposição, podemos apreciar os programas originais das festas dos 20, 22, 23 e 24 anos de fundação, celebradas respectivamente em 1933, 1935, 1936 e 1937. O Schubert-Chor, pelo contrário, fundado em 1923, não era um coro apenas masculino, porém mixto, e dedicava-se a um repertório de maiores ambições artísticas. Sob a direção de Martin Braunwieser, o Coro Schubert tornou-se um dos melhores corpos corais do Brasil. Em 1930, possibilitou a realização de obras do Pe. José Maurício Nunes Garcia por ocasião do centenário de sua morte. Durante a sua presença em São Paulo, H. Villa-Lobos não apenas tomou conhecimento do trabalho desse coro como também contou com o seu auxílio na realização de seus projetos e obras. De particular importância para o desenvolvimento da criação coral brasileira foi o empenho do Coro Schubert em executar obras em português. Especial consideração deve ser dada à vida coral das comunidades de vida alemã de São Paulo, especialmente à da grande sociedade masculina de canto Lyra. Os retratos de suas várias sedes sociais, no central Largo do Paissandú, de 1905 a 1925, no edifício provisório (até 1934), e no definitivo, na Rua São Joaquim, ilustram o extraordinário crescimento dessa entidade nas primeiras décadas do século. Programas e críticas documentam a inauguração do edifício novo e os festejos pela passagem dos 50 anos de existência dessa entidade, em 1934. A construção desse prédio - um dos maiores do Brasil do gênero - representou a concretização de um antigo sonho, visualizado há muito por membros da comunidade alemã, como Rudolf Nau e Max Sparsbrod.
Influências na criação musical brasileira
De transcendente relevância, porém, foi a influência exercida por visões de músicos de língua alemã na criação artística de compositores brasileiros e na pesquisa musical no país. Uma dessas visões diz respeito ao cultivo do canto em língua "nacional". Para os alemães e austríacos, o cantar em alemão era uma prática óbvia, indispensável à sociabilidade, ao estabelecimento e manutenção de elos comunitários e até mesmo à própria alegria de viver. Esta consciência tinham-na trazido de seus países natais e aplicavam-na no Brasil, onde as sociedades corais permitiam-lhes manter elos culturais e sentimentais com as antigas pátrias. Com a integração gradativa na vida musical brasileira, os regentes e os participantes desses coros constataram a inexistência de uma similar prática coral em vernáculo por parte dos brasileiros. Também com o intuito de melhor aprender a língua do país - e o canto representa aqui um ótimo meio de aprendizagem - passaram a incentivar a criação musical em língua nacional.
Revelação de obras do passado e da música contemporânea
A contribuição alemã foi relevante também na transmissão de novas obras, novas correntes estéticas e de novas perspectivas na consideração do passado musical. Primeiramente deve-se recordar que os músicos e as organizações de língua alemã contribuiram fundamentalmente para a difusão de obras de compositores do próprio mundo alemão no Brasil, entre os quais Mozart, Haydn, Beethoven e Bach. É verdade que compositores da Europa Central do século XVIII, por exemplo aqueles da Escola de Mannheim, foram conhecidos no Brasil colonial e que Sigismund Ritter von Neukomm muito se empenhou na propagação de obras de Mozart e Haydn no Brasil-Reino. Foi porém só nos anos vinte e trinta do nosso século que se fizeram grandes esforços no sentido de divulgar as composições dos grandes compositores clássicos, e esses esforços correspondiam a uma visão quase que religioso-filosófica da dimensão humana e espiritual representada por aquelas obras. Os programas e críticas da primeira audição, em 1933, de A Criação de Haydn em tradução portuguesa no Brasil demonstram esse desenvolvimento. Também a descoberta de Bach no Brasil foi um reflexo, um tanto tardio, do grande movimento de redescoberta de Bach na Europa e em outros países latino-americanos, tais como no Chile e na Argentina. Esse movimento levou à fundação da Sociedade Bach de São Paulo e, em geral, à consideração da música antiga européia nos programas de concertos no Brasil. Não podemos esquecer que também esse movimento foi vinculado a visões de natureza filosófica e espiritual de personalidades tais como Bernhard Paumgartner e, sobretudo, Albert Schweizer. A Sociedade Bach de São Paulo organizou também conferências de eruditos e musicólogos, tais como Ernst Mehlich e Kurt Pahlen que, através seus escritos publicados no Europa, influenciaram por décadas a imagem musical do Brasil no Exterior. Quanto à difusão da música contemporânea, citamos a primeira audição de obras de Hindemith e Strawinsky em São Paulo, em 1928 e 1929, além de documentos referentes ao Movimento Música Viva encabeçado por H.J. Koellreutter. A intensa atividade da sociedade Pró-Arte de São Paulo, da Pró-Arte de Piracicaba e da Pró-Arte do Rio de Janeiro não pode ser esquecida. Em particular salienta-se o extraordinário trabalho desenvolvido por Ernst Mahle em Piracicaba. Música religiosa protestante Num país de formação católica, como o Brasil, a história da música no âmbito do Protestantismo está intimamente relacionada com a história da imigração alemã. O cultivo do canto em alemão, ou seja, em vernáculo do país da Reformação, representava uma tradição enraizada na vida religiosa e servia não apenas ao culto como também à manutenção do idioma alemão entre as gerações já nascidas no Brasil. Vários programas aqui expostos documentam a realização de concertos com obras sacras de várias épocas em língua alemã na Igreja Evangélica de São Paulo, tais como a de um concerto espiritual de Sexta-Feira Santa na mesma igreja, em 1931. Por esse motivo, o canto de igreja evangélico foi um instrumento poderoso de conservação de identidade cultural. É compreensível, portanto, que sentimentos nacionais e de consciência do "Deutschtum" se mantivessem particularmente vivos no seio da comunidade evangélica. Tal fato é documentado pelos relatos de jornais a respeito de uma solenidade em memória dos soldados alemães da Primeira Grande Guerra e de uma cerimônia matutina por ocasião do "Dia de Honra do Trabalho" na Igreja Evangélica de São Paulo, em 1937.
Catolicismo alemão e música A influência alemã na música sacra católica do Brasil não foi menos importante. Essa influência não era recente, uma vez que já no período colonial e no Império se conheciam obras de compositores da Europa Central no Brasil. Lembremos que o último mestre da Capela Imperial do Brasil, H. Bussmayer, provinha de Braunschweig. Uma ação verdadeiramente profunda e ampla de visões alemãs daquilo que deveria ser a música litúrgica iniciou-se porém com a repopulação dos conventos brasileiros com religiosos provindos da Alemanha, após a proclamação da República. Essa revitalização dos mosteiros e conventos vinculou-se estreitamente com os esforços de reforma da música sacra tornados oficiais após o Motu proprio de Pio X, em 1903. As abadias beneditinas do Brasil tornaram-se centros de cultivo do Canto Gregoriano, seguindo sobretudo práticas de execução de mosteiros alemães, sobretudo do de Beuron. Os franciscanos foram os maiores propagadores do Cecilianismo na tradição de Ratisbona no Brasil. Petrópolis transformou-se no principal centro de irradiação das idéias cecilianas, sobretudo através da revista Música Sacra e da impressão de composições de religiosos estrangeiros atuantes no país. Esse repertório sacro-musical, formado a partir de uma visão litúrgico-musical enraizada na tradição alemã foi abandonada sobretudo após o Concílio Vaticano II e está hoje totalmente caído no esquecimento. (...)
Aspectos negativos Haveria naturalmente aspectos negativos a serem considerados, o que, porém, não corresponderia à atmosfera festiva desta ocasião de abertura da exposição. Questões críticas são discutidas no âmbito dos seminários da Academia Brasil-Europa. Esta é também a razão da importância de haver esta nossa organização, formada por brasileiros, com ou sem ascendência alemã. O estudo das relações culturais BRASIL-EUROPA deve estar em mãos de estudiosos devidamente formados e por si organizados, inseridos numa própria história de cooperações científico-culturais. Organizações e fundações estrangeiras e internacionais de orientação política e econômica deveriam apoiar essa legítima tradição de trabalho científico, mantida através de esforços altruísticos, e não procurarem formar rêdes próprias, por elas subvencionadas e controladas.
O texto aqui publicado é apenas um das várias centenas de artigos colocados à disposição pela Organização Brasil-Europa na Internet. O sentido dessas publicações apenas pode ser entendido sob o pano de fundo do escopo da entidade. Pedimos ao leitor, assim, que se oriente segundo a estrutura da organização, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral: https://brasil-europa.eu Dessa página, o leitor poderá alcançar os demais ítens vinculados. Para os trabalhos recentes e em andamento, recomenda-se que se oriente segundo o índice da revista da organização: https://revista.brasil-europa.eu Publicações para resenhas devem ser enviadas ao seguinte endereço: Akademie Brasil-Europa Dieringhauser Str. 66 51645 Gummersbach, Alemanha Salientamos que a Organização Brasil-Europa é exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. É a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro, supra-universitária e originada de iniciativa brasileira. Foi registrada em 1968, sendo continuamente atualizada. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações ou outras páginas da Internet que passaram a utilizar-se de denominações similares. Prezado leitor: apoie-nos neste trabalho que é realizado sem interesse financeiro por brasileiros e amigos do Brasil! Torne-se um dos muitos milhares que nos últimos anos visitaram frequentemente as nossas páginas. Entre em contato conosco e participe de nossos trabalhos: contato
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